sexta-feira, março 31, 2006

Quotas

Pelo seu grande interesse reproduzo infra a:
«INTERVENÇÃO DA DEPUTADA ZITA SEABRA na A.R., 30 de Março de 2006
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Estamos hoje a discutir e a votar um projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista que consagra que as listas eleitorais que não tenham 33,0% de mulheres, sejam recusadas pelo juiz responsável. Assim será nas eleições legislativas, autárquicas, e europeias, uma vez que o PS tem maioria absoluta nesta Assembleia, todavia o facto não impede o Partido Social Democrata de votar contra o projecto e de explicar as razões por que o faz.
Uma lei das quotas como esta, que o PS apresenta, não existe em nenhuma outra legislação europeia. Ao contrário do que tem sido dito e escrito, na Suécia e na Noruega não existe lei das quotas, existe sim um acordo entre os partidos que o desejem. Repito: um acordo entre partidos, assente na regra interna e estatutária de que as listas que apresentam têm uma determinada percentagem de mulheres. Quanto à França e à Bélgica, estes dois países aprovaram uma lei que estabelece que os partidos que não cumpram as quotas mínimas de mulheres nas suas listas, sejam multados, mas não são, como pretende o PS, impedidos de concorrer às eleições. Entre nós a proposta vai bem mais longe e estabelece que não pode concorrer às eleições, o partido que não preencha a quota de 33% de mulheres nas listas. Além do mais, esta solução foi tentada na Argentina e considerada inconstitucional pelo respectivo Tribunal.
Pura engenharia social: resolver pela via legislativa um problema que existe, desprezando uma das regras básicas da democracia: a igualdade dos cidadãos face à lei e a sua não discriminação em função da raça, do sexo, da cor, ou de qualquer outro critério. Enquanto democrata, não posso aceitar nenhuma excepção a essa regra básica da democracia e do estado de direito que é a igualdade dos cidadãos face à lei. Perante um problema real existente, o PS procura fazer engenharia social, abrindo uma excepção ao princípio constitucional da igualdade perante a lei e da dignidade dos cidadãos homens ou mulheres.
Dir-me-ão: mas há um problema. A democracia não resolveu ao longo de todos estes anos a questão da participação das mulheres em lugares resultantes do voto livre dos portugueses. Essa participação depende das listas elaboradas pelos partidos políticos.
É uma evidência que não resolveu e que o PSD regrediu na representação de mulheres nas últimas eleições. Mas isto não me leva a abandonar aquele princípio tão querido dos democratas: um cidadão, um voto, que aliás foi imagem de marca da luta de Mandela pelo direito ao voto dos negros na África do Sul, ou da luta que tantas mulheres travaram por todos os cantos do mundo para assegurar o direito de voto e o consequente direito de serem eleitas.
Aceitar quotas, mesmo em nome de um bom objectivo, é sempre uma forma de subestimar aquele que é aceite. Aceite apenas para preencher uma quota, assumindo um cargo, não por via do mérito, mas por necessidade administrativa. E quem julga que esta é a forma correcta de garantir a presença das mulheres nos cargos políticos: substituindo o mérito, a vontade, a luta legítima no seio dos partidos, pela mera quota, cria uma discriminação inaceitável para as mulheres que não aceitam fazer parte desses 33%, graças à compreensão benemérita de uns senhores que acham que elas ficam bem nas listas e que talvez assim ganhem alguns votos adicionais, introduzindo via quota a mulher de, a irmã de, ou a filha de…
Senhor Presidente,
Senhores deputados,
Sendo eu, por princípio democrático, contra as quotas de 33% impostas por lei nas listas eleitorais, neste caso quotas de mulheres, sou igualmente contra quotas de representatividade para qualquer minoria racial (negros, asiáticos, hispânicos, ou arianos), contra quotas para homossexuais, quotas para emigrantes; quotas na base da origem social (operários e camponeses), quotas para diferentes credos (cristãos, muçulmanos ou judeus), e, já agora, quotas para a origem territorial.
A força da democracia reside justamente em nunca reconhecer a ninguém, por qualquer um destes motivos, um único direito a mais ou a menos, não permitindo qualquer tipo de discriminação positiva ou negativa.
Acresce a tudo isto que, no caso das mulheres portuguesas, conceber uma lei para impor 33% nas listas é desvalorizar o caminho traçado por muitas mulheres que fizeram dos seus direitos cívicos e da sua participação em todos os domínios da vida nacional um dos seus primordiais sentidos de vida. Não precisaram que ninguém lhes desse nada. Conquistaram-no. Conquistaram-no com lutas, com esforço e ganharam. Os últimos 50 anos foram prova disso. Atrevo-me a dizer: ganhámos! Ganhámos nós mulheres e ganhou a democracia. Ninguém favoreceu ninguém, ninguém impôs que as mulheres estivessem onde querem estar apenas por lei discriminatórias que fazem o favor de lhes abrir caminho. Por mim falo. Sentir-me-ia profundamente humilhada se as portas se me abrissem por causa de uma obrigação legal, e pelo facto, inimputável, de eu ser mulher. Seria uma humilhação equivalente – como já me aconteceu – à de ser discriminada na situação inversa: fecharem-se-me as portas por ser mulher. A primeira luta em que participei na vida, por exemplo, foi pelo direito ao uso de calças no Liceu Carolina Michaelis nos longínquos anos 60.
Com o 25 de Abril e, particularmente, com a Constituição da República, de que em breve iremos comemorar 30 anos, consagrou-se a plena igualdade de direitos do homem e da mulher. Foi preciso modificar todas as leis que de alguma forma discriminavam a mulher na sociedade portuguesa. Foi uma profunda alteração, foi uma verdadeira revolução. De leis e de mentalidades. Mas, uma vez eliminadas as enormes barreiras legais, as mulheres conseguiram entrar para o sistema escolar, estão em maioria nas Universidades, fazem doutoramentos, são juízes e embaixadoras, entraram na polícia e no serviço militar – isto tudo sem quotas. E ainda feminizaram profissões que lhes eram quase vedadas, como o jornalismo ou a medicina. Passaram a viajar sem necessitar da autorização escrita do marido e estão onde querem estar por mérito e por direito. Sem quotas de 33%...
Alguma doutorada o foi por via de quotas? Alguma jornalista está no jornalismo político através de quotas decididas nas redacções dos jornais ou na lei? Porquê então quotas nos cargos políticos elegíveis? Dir-me-ão certamente que o argumento principal a favor das quotas reside no facto de as mulheres terem efectivamente entrado em todos os sectores profissionais, em todas as carreiras que desejaram, e que lhes estavam legalmente proibidas, excepto na política. Então, a solução é fazê-las entrar na política através de medidas legais que as obrigam a integrar as listas. Como se a política fosse um reduto intransponível, e em que os homens dos vários partidos se unem numa barreira comum.
Uma vez aprovada esta lei, vamos assistir, nas próximas eleições legislativas e autárquicas, à elaboração das listas e só depois ao preenchimento das quotas. Pairará sempre a dúvida sobre se uma mulher que esteja numa lista a integra por mérito ou em resultado da quota.
E, no entanto, quando esse caminho foi trilhado ‑ e não me refiro só às mulheres, mas também às minorias étnicas discriminadas positivamente com quotas ‑, os resultados foram lamentáveis. Esse caminho conduziu objectivamente à diminuição, à menorização daqueles que pretendia beneficiar.
É, porém, uma realidade inegável que, ao olhar para o governo do Eng.º Sócrates ‑ o mesmo que veio apoiar este projecto-lei –, verificamos que tem apenas duas ministras. Olha-se para o PSD e verifica-se que nas últimas eleições regrediu, tendo menos mulheres que nunca! Ao tomar consciência desta realidade não podemos deixar de cair na tentação de reconhecer que talvez a mudança se produza por meio de quotas e multas, ou de qualquer outra medida administrativa ou legal.
Fazê-lo seria, porém, para nós, sociais-democratas, inaceitável na perspectiva da nossa forma de estar na política, e de entender a democracia e o estado de direito. E nem as aparentes boas intenções nos fins podem justificar os atropelos nos meios para lá chegar. Fazê-lo seria sobretudo não discutir, não encarar a razão pela qual as mulheres portuguesas não entram nas carreiras políticas. Pois se elas quisessem ‑ espero que ninguém duvide disto ‑ quebrariam todas as barreiras para o conseguir, tal como já quebraram tantas outras. Porque ‑ parece absurdo mas vale a pena dizê-lo ‑ os homens que estão na política também não são diferentes nem piores que os outros…
A igualdade homem-mulher, conquistada na lei, foi um importantíssimo avanço de democratização das sociedades, nomeadamente em Portugal.

Mas igualdade na lei implica também o direito à diferença. E diferença não é desigualdade.
Confesso que acho profundamente chocante a linguagem europeia imposta por directivas substituindo o conceito de igualdade de direitos homem/mulher pela igualdade de género e não me revejo como género.
A diferença faz muito para a felicidade dos homens e das mulheres, e que se saiba o género ainda não inspirou nenhum poema de nenhum poeta.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Reconheçamos que não é fácil a vida de uma mulher jovem. Assegurar a estabilidade familiar e conciliá-la com a carreira profissional. Ter filhos, dar-lhes colo e fazer ao mesmo tempo mestrados e doutoramentos. Viver a horas do local de trabalho e deixar os filhos depositados, qual tropa, na creche, oito ou dez horas por dia, e chegar a casa sem tempo para os que dela esperam tudo. Não é fácil!

Passou-se do ideal de mulher “fada-do-lar”, para um ideal de mulher tipo “motorista-de-camião-de-longo-curso”, a quem só falta dormir nas estações de serviço!

Face à exigência do quotidiano será que não ocorre que por acaso elas não queiram ou não possam pôr por cima de tudo isso, ainda mais uma actividade política regular? Que não queiram pertencer a Assembleias Municipais que reúnem pela madrugada dentro, nem estar em secções que reúnem noites a fio em reuniões intermináveis.
A política em Portugal faz-se a horas inconcebíveis em qualquer país civilizado.
Há dias, a Ministra da Educação do governo trabalhista inglês Ruth Kelly, com 37 anos e mãe de quatro filhos pequenos, respondeu à pergunta clássica: «como concilia a sua vida profissional com a sua vida de ministra?» ‑ Ruth Kelly, como sabem, tem uma das principais pastas do governo Blair, acaba de apresentar uma importantíssima reforma do sistema educativo e é considerada a segunda figura de topo do Partido Trabalhista ‑ , à pergunta respondeu: «nunca levo os dossiers para casa à noite» e explicou que, em casa, o importante são os filhos… Não leva os dossiers para casa, garantiu.

Os franceses têm duas palavras para a maternidade.

Chamam maternité e maternage.
Maternité é a maternidade que pode ser partilhada pelo pai e pela mãe. Isto é: qualquer dos dois pode levar o filho à escola ou ao parque infantil. Mas maternage é aquela relação mãe-filho insubstituível. Insubstituível por razões biológicas ‑ como a gravidez, o parto ou a amamentação, em suma a relação mãe-filho, mas também, o colo da mãe, esse dar-se e receber que dá sentido à vida.
Não digo evidentemente que seja melhor ou pior que a relação pai-filho.
Digo que cada uma delas é insubstituível, diferente e complementar.

É cada vez mais difícil ser mãe numa sociedade que substituiu paradigmas de discriminação pelos paradigmas masculinos que muitas mulheres rejeitam. Parece hoje ultrapassado e retrógrado falar de maternidade e dessa felicidade única que é ter filhos e dar-lhes colo.

Moderno é falar dos temas politicamente correctos na Europa e esgotar o discurso e as leis no aborto, na pílula, ou no casamento de homossexuais.
Tão moderno é que na vizinha Espanha o Governo socialista de Zapatero acaba de publicar uma portaria, com data de 3 de Março corrente, a abolir nos documentos oficiais a palavra pai e mãe. Pai e mãe são assim abolidos por se considerar que se tratam de categorias discriminatórias face à possibilidade legal da adopção de crianças de casais homossexuais e consagra-se a expressão “neutra” Progenitor A e Progenitor B. Será curioso vir a ensinar um bebé a dizer progenitor B em vez de papá ou mamã… Mas hão-de certamente fazer uma lei para resolver esse problema.

No entanto, a Europa tem hoje uma gravíssima questão de natalidade e nós, em Portugal, temos um dos mais baixos índices de natalidade.

Os casais têm cada vez menos filhos e cada vez mais tarde e não têm os filhos que desejam, nem quando desejam – mas, sim, quando podem.
Esse é o maior problema das sociedades contemporâneas.
Há uma semana, o Spectator publicava um artigo demonstrando que a Europa está em fim de império e o Spiegel fez capa dos números alarmantes dos nascimentos na Alemanha e na Europa.

Face a esta dramática situação, os Estados e nós, em Portugal, temos de criar condições políticas e travar um grande debate nacional para que a maternidade não seja uma penalização da mulher e para que a sociedade reconheça a função social da maternidade.

Quando, há dias, o Ministro da Saúde anunciou o encerramento de Maternidades aquilo que mais me alarmou foi exactamente os argumentos invocados para as fechar: não nascem crianças suficientes. Fecham as maternidades, fecham as escolas e o país envelhece a olhos vistos.

O PSD está inteiramente disponível para discutir em consenso todas as medidas políticas necessárias à inversão desta situação que penaliza as mães, os pais, a sociedade e sobretudo os filhos ‑ os filhos que se tem e os que se não podem ter porque a vida é demasiado difícil. Precisamos de creches e de jardins-escola ao lado do local de trabalho. Precisamos de uma política de cidades que não tenha o centro cheio de casas vazias e escritórios, e com os casais jovens a viverem em periferias a 2 e 3 horas de distância do local onde trabalham. Precisamos de creches nos próprios locais de trabalho. Não há uma única creche na baixa de Lisboa. Na Comunidade e em Portugal, gastam-se fundos com tudo: com a PAC, pescas e ambiente. Há financiamentos para a apicultura, para as raças autóctones, para a destilação de vinho, subsídios para a electricidade nas empresas, há PROCOMS, financiam-se as festas, as capitais de, pagam-se eventos de todo o género. E para a Maternidade, para o apoio público às mães, aos pais e aos filhos? As despesas com a educação no IRS têm tecto máximo. Até 2 dependentes (dois filhos) é possível deduzir 160% do Rendimento Mínimo Nacional. Com 3 ou mais filhos a dedução é menor em termos proporcionais. Assim, a partir do 3º dependente a dedução é apenas 30% do Rendimento Mínimo Nacional. Uma família com 1 ou 2 dependentes a dedução máxima é de 617.44€. Uma família com 3 dependentes a dedução máxima é 617.44€ + 115.77€ - menor em proporcionais. As fraldas pagam 5% de IVA graças ao ex-Ministro Bagão Félix do Governo PSD/PP, pois eram taxadas em 19% as dos bebés ao contrário das dos idosos dependentes.
O PSD apresenta a sua completa e total disponibilidade para aprovar e sustentar todas as medidas de apoio à maternidade, considerando que este é o maior problema com que se defronta o país nos dias de hoje.

O mesmo é dizer que: em lugar das quotas vamos antes verificar as razões que afastam as mulheres da política e criar as condições para que elas queiram seguir a carreira política tal como quiseram seguir a carreira profissional e académica.
Vamos antes valorizar a maternidade como um bem social que permita efectivamente aos casais terem os filhos que desejam e não os que podem ter.

Como há dias escrevia Esther Mutcznik, preocupamo-nos com a gravidez da adolescência e não nos preocupamos com as gravidezes tardias, e acrescentaria nem com uma sociedade de filhos únicos, em que a falta de colo é quantas vezes substituída por presentes desmesurados e tontos. E, nessa relação mãe-filho, nesse colo insubstituível, nesse vê-los crescer e acompanhar os seus passos, deixamos crescer a culpa, um sentimento de culpa de quem já se divide por horas a fio de trabalho profissional e de trabalho doméstico.

Uma vez que não respeitamos esse sentimento, essa opção, queremos então, à força da lei, dizer às mulheres que por cima de tudo isso encontrem tempo para uma vida político-partidária, feita e concebida contra elas, contra os seus interesses e as suas vontades.

Se porventura o PS quiser aprovar uma resolução dizendo que nenhuma Assembleia Municipal, nenhum órgão autárquico ou outro reunirá depois das oito da noite, o PSD certamente estará aqui para apoiar essa medida.

Há anos, lembro-vos, foi uma mulher deputada, Leonor Beleza, quem optou por criar uma creche nesta casa, na Assembleia, em vez de um desejado ginásio para os deputados. Essa creche devia poder receber os filhos das deputadas sempre que necessário. Seja por um dia ou por umas horas. É este o caminho que apoiaremos nas Câmaras e nos outros órgão de poder local.

Repito, passou de moda falarmos de maternidade e da sua função social. Queremos agora super-mulheres que, além de serem mães irrepreensíveis, façam também a sua carreira profissional, ou académica, ou científica, em concorrência com os homens, e que já agora também estejam nos lugares políticos e que se enamorem e casem e tenham filhos.
Senhor Presidente,
Senhores deputados,
O direito à dignidade, consagrado no primeiro artigo da Constituição é um direito inabalável que não se pode perder em nome de falsos caminhos de engenharia social e falsas soluções.

E se alguém julga que é por aí que vai ao encontro do voto das mulheres, desengane-se. Os portugueses, mulheres e homens, decidirão o seu voto, estou disso convicta, procurando saber se os problemas do desemprego, da escolaridade, dos idosos e da maternidade e paternidade estão a ser resolvidos ou agravados. Sobretudo em relação à maternidade e à paternidade o grande problema com que se defronta a Europa e muito particularmente nós portugueses.»

Os negritos são meus.
Não tenho opinião formada relativamente a esta questão. Lembro, porém, que na Igreja, e nas instituições de solidariedade social, as mulheres são francamente maioritárias - a ponto de se dizer as catequistas - e até estão presentes em reuniões em horas tardias.
Isto quererá dizer também qualquer coisa acerca das opções das mulheres.
Um espírito mais cínico responderá que também aí o verdadeiro poder é exercido pelos homens... (neste caso o clero).
É um facto, mas tal só sucede na medida em que o/as leigo/as aceitam e promovem esse estado de coisas.
Aliás, os escalões intermédios de poder na Igreja local - paróquias - são ocupados por mulheres que, no terreno, como em tudo na vida, são quem manda de facto (na generalidade dos casos), aparentando dizer amén a todos os ditâmes vindos de cima...