sexta-feira, setembro 22, 2006

Evolucionismo vs. Criacionismo

No Blasfémias, tem decorrido um debate sobre o tema em referência.
Para v/ abrir o apetite, transcrevo o último postal que o desenvolve, o qual foi originalmente
postado aqui.

«Evolucionismo vs. Criacionismo: o estado do debate IV
O que leva os criacionistas a levantar o debate sobre a evolução?
A resposta está no argumento do desígnio. Este argumento é muito provavelmente o melhor argumento racional a favor da existência de Deus. Por estranho que parece esses argumentos existem, tal como existe uma tradição intelectual de estudo racional desta e de outras questões metafísicas. E o mais estranho é que essa tradição tem produzido ideias que têm contribuido de forma determinante para a evolução do conhecimento.

O argumento do desígnio resulta da observação do mundo natural. De acordo com o argumento, o mundo natural, em particular o mundo biológico, apresenta uma ordenação que não pode ser explicada por mero acaso. Apresenta design. Uma vez que antes do século XIX não era conhecido nenhum mecanismo natural de produção de design, todo o design era atribuído à acção de uma mente inteligente.

A Teoria da Evolução não coloca em causa, por si só, o argumento do desígnio, isto porque, na ausência de outra explicação, o mistério da mudança teria igualmente que ser atribuido a um designer. O que colocou verdadeiramente em causa o argumento do desígnio, e por conseguinte, a existência de Deus, foi a descoberta de um mecanismo alternativo de criação de design que não requer uma mente racional. Aquilo que coloca em causa o argumento do desígnio é a criação de design de forma irracional pela selecção natural.

A selecção natural funciona como ameaça ao criacionismo por duas vias. Em primeiro lugar porque é uma alternativa à criação divina. E em segundo lugar porque abre um novo campo de possibilidades até então desconhecido. Se foi possível descobrir este mecanismo de criação natural de design onde se pensava que nenhum era possível, então podem existir mais. É por esta segunda via que a Teoria da Evolução se transforma em mais do que uma teoria centífica. Transforma-se numa nova forma de encarar o mundo. O evolucionismo passa a ficar associado à corrente que defende não apenas a evolução natural das espécies mas também a origem natural de tudo o que existe no universo. Dizer que não existe evolucionismo enquanto corrente cultural é negar a existência de uma corrente de opinião, onde predominam cientistas, que defende, sem que as provas científicas o justifiquem, que os fenómenos naturais observáveis são tudo o que existe.

Curiosamente, a maior ameaça à teoria da evolução não vem dos criacionistas, mas dos próprios meios centíficos, em especial os mais ligados à educação. Isto porque o modelo científico predominante tende a ser a física e tudo tende a ser ensinado e investigado à imagem da física fundamental. Acontece que a Teoria da Evolução tem características particulares que a distinguem da física. Ao contrário da física, que é uma teoria que estuda os fenómenos de partículas e de ondas, a Teoria da Evolução estuda a acção de agentes.

Os agentes não se comportam como partículas nem podem, com os meios actualmente disponíveis, ser estudados como colecções de partículas. O que aliás é uma vantagem porque é possível usar as leis da acção dos agentes para compreender a evolução. Estas leis, entre as quais o Princípio da Selecção Natural, são leis lógicas e como tal não requerem validação empírica.

Mas como os paradígmas dominantes são a física fundamental e o empirismo, a selecção natural tenderá a não ser reconhecida como lei lógica e será vista como uma lei física. Ao ser vista como lei física, perde o seu papel de ordenador de todo o edifício científico e transforma-se em mais um fenómeno a requerer confirmação. É por isso que, enquanto alguns dos leitores sugeriram protocolos experimentais que visam testar a teoria, outros não reconhecem à selecção o papel único de produção de design colocando-a em pé de igualdade com outros fenómenos que por acaso até não explicam o design como as mutações ou a deriva genética. Tudo isto implica que, pelo menos entre muitas pessoas com cultura científica, o estatuto da selecção natual é tal que não constitui qualquer ameaça ao avanço do criacionismo. Isto porque uma percentagem muito significativa dos que concordam com a teoria da evolução não reconhecem à selecção natural o poder explicativo suficiente para explicar o design que se observa na natureza.

O debate Evolucionismo vs. Criacionismo é acima de tudo cultural. Isso implica que não são importantes apenas as questões puramente científicas, e muito menos apenas as puramente empíricas, mas todas as questões de índole cultural e filosófica ralacionados com o tema. A maior ameaça à cultura científica não vem de fora. Vem dos próprios meios científicos e educacionais que têm contribuido para a pobreza da cultura científica ao não reconhecerem, devido a pressupostos filosóficos errados, o papel único da selecção natural.
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Em suma, o n/ Blogue começa a parecer-se com as Selecções Reader's Digest... :-)