sexta-feira, setembro 22, 2006

A infalibilidade

A propósito do «escândalo de Ratisbona» (cfr. postais infra), tenho lido, aqui e ali, alusões, frequentemente chocarreiras, à infalibilidade do Papa.
Atravessa-as, o mais das vezes, uma razoável dose de desconhecimento, que conviria esclarecer.
Aqui deixo o meu contributo:

A questão da infalibilidade , em matérias de fé, por acção do Espírito Santo, foi discutida por séculos na Igreja.
Para uns, a infalibilidade reside(ia) no todo, em Concílio, para outros, apenas ou também, no Pontífice Romano.

Em 1870, num esforço de centralização da Igreja, o Papa Pio IX anunciou e convocou, pela bula «Aeternis Patris», de 2/6/1868, o Concílio Ecuménico Vaticano I, que abriu solenemente em 8 de Dezembro do ano seguinte e encerrou um ano depois, a 18/12/1870.

Nesse Concílio - em relação ao qual existem sérias acusações de manipulação - , que aprovou a Constituição Dogmática «Pastor Aeternus», sobre o primado e infalibilidade do Papa, foi estabelecido o dogma segundo o qual os pronunciamentos solenes (afirmações dogmáticas ex-catedra) do Papa a respeito da fé e da moral não apresentam possibilidade de erro.

De acordo com a doutrina da Igreja Católica, o Papa não é infalível.
As afirmações dogmáticas do Papa são, elas sim, consideradas (por ela, doutrina da ICAR) infalíveis, porque inspiradas por Deus.
Porém, as afirmações dogmáticas só ocorrem quando o bispo de Roma fala ex-cathedra, ou seja, quando anuncia que vai proclamar um dogma em matéria de fé.

Quer isto dizer que, o Papa só é infalível quando o declara expressamente e apenas em assuntos relacionados com a fé cristã.

Os Papas têm sido muito cautelosos, também, relativamente a esta questão.
Aliás, só o Papa Pio XII exerceu e por uma única vez, o Magistério Extraordinário da infalibilidade papal, quando definiu o dogma da Assunção, na sua encíclica «Munificentissimus Deus», em 1950.

Com o Concílio Vaticano II, a Igreja passou, ou (segundo alguns) voltou, a ser vista como uma comunidade de cristãos em todo o mundo, em vez de uma hierarquia em pirâmide onde a infalibilidade papal dita a conduta dos fiéis.

Por esta razão, não prevejo que o Sumo Pontífice venha, tão cedo, a exercer esse Magistério Extraordinário, embora registe que a prática do pontificado de João Paulo II, alterou, de novo, a visão consagrada pelo Concílio Vaticano II.

Posto isto, não faz qualquer sentido aludir à infalibilidade papal a propósito de quaisquer atitudes ou declarações recentes do(s) Papa(s).