«Quando o real ultrapassa o absurdo»
No passado dia 10 comemorou-se o 57º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O Governo, muito apropriadamente, decidiu assinalá-lo com uma reverente recepção de estado ao Senhor Primeiro Ministro da República Popular da China e sua comitiva.
Não contesto a necessidade da visita. Não posso é aceitar o timing escolhido, nem o mutismo cobarde das nossas autoridades.
É evidente que o dinheiro fala mais alto, mas não se compreende que o Governo Português, que prestavelmente ofereceu os seus bons ofícios para pressionar os seus parceiros comunitários no sentido do fim do embrago europeu de venda de armas à China - que dura desde o massacre de Tiannamen -, não tenha aproveitado o pretexto e a data, e o imperativo de consciência de quem se diz interprete de um estado de direito, para, ao menos para consumo interno, apelar por sua vez aos nossos distintos convidados para a necessidade de uma significativa melhoria no que respeita a tão sensível e importante questão.
Para além de um imperativo ético, o respeito dos direitos humanos na China constitui um problema económico. São as miseráveis condições de produção industrial no Império do Meio - típicas do capitalismo mais selvagem, que não respeitam o Homem nem a natureza - que sustentam o avassalador, mas frágil, crescimento da China e que a tornam um modelo insusceptível de competição...
Mas faltava a cereja em cima do bolo na actuação vergonhosa deste Governo - a assinatura de acordos, pasme-se, de cooperação na área da Justiça.
Ao ler esta entrada http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2005/12/quando-o-real-ultrapassa-o-absurdo.html , imperdível, no blogue Grande Loja do Queijo Limiano, nem queria acreditar. Mas é verdade, está lá, obscenamente divulgado no portal do Governo: http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC17/Ministerios/MJ/Comunicacao/Notas_de_Imprensa/20051212_MJ_Com_China.htm
O âmbito de tais acordos abrange «...situações como a entrega de documentos relativos a procedimentos penais, a solicitação de interrogatórios e inquirições, o envio de documentos, antecedentes criminais e de elementos de prova, a entrega temporária de pessoas que se encontram detidas para fins de realização de acto de investigação, (...) visitas de responsáveis ou de funcionários dos Ministérios da Justiça dos dois países, visitas de estudo de profissionais do direito...»
É realmente para afirmar «Quando o real ultrapassa o absurdo»
Ver p.e. «Christian Church Leader Arrested and at Risk of Torture For Possession of Religious DVDs» http://www.amnesty.org.uk/news/press/15836.shtml
ou
http://web.amnesty.org/library/Index/engASA170042001?OpenDocument&of=COUNTRIES%5CCHINA
ou ainda
http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/asia-pacific/4491026.stm
1 Comments:
Ontem mesmo, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros foi ao Parlamento esclarecer os Senhores Deputados acerca dos voos da CIA. Foi bombardeado pelos deputados da CDU e do BE com questões relativas ao conceito de tortura dos EUA, por se recear que estes as têm vindo a praticar sobre os suspeitos de terrorismo, ainda que de forma mitigada. O Senhor Ministro afirmou solenemente que Portugal se opõe a qualquer forma de tortura, qualquer que seja a forma, «sólida, líquida ou gasosa» disse, para frisar bem o seu ponto.
Sobre a China e os malfadados acordos de cooperação na área da Justiça nem uma palavra se ouviu aos zelosos representantes do povo na casa da democracia.
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