quarta-feira, abril 19, 2006

Outras Páscoas...

Há 500 anos, nos dias 19, 20 e 21 de Abril, ocorreu em Lisboa um dos mais trágicos acontecimentos da nossa história de portugueses e de cristãos.
Em tempo de fome, de peste e de morte galopante, de procissões e penitências propiciadoras ao gosto do tempo, na Igreja de São Domingos, pelo meio de gritos implorando a misericórdia divina, alguém gritou ter visto o rosto de Cristo de um crucifixo iluminar-se numa luz estranha.
Como um rastilho, espalhou-se voz de milagre...
Um Cristão Novo, incauto, acendeu a ira dos populares ao explicar o milagre com o reflexo do sol.
O ‘blasfemo’ foi arrastado até ao Rossio, onde foi espancado até à morte.
Seguiram-se três dias de perseguições, violações e de morte.
Morreu um elevadíssimo número, indeterminado, de pessoas - entre 2000 a 4000 -, no que pode considerar-se «o 1º pogrom da era moderna».
As vítimas foram homens, mulheres e crianças, todos judeus, na altura já forçados a converter-se, depois da cedência de D. Manuel aos reis de Espanha.
Dois frades dominicanos - posteriormente condenados à morte - terão incitado a populaça que gritava numa orgia de ódio e de sangue: «Morte aos Judeus, morte aos hereges!»
Damião de Góis, cronista oficial de D. Manuel, descreveu deste modo os acontecimentos: «Começaram a matar todos os cristãos novos que achavam pelas ruas, e os corpos mortos, e os meio vivos lançavam e queimavam em fogueiras que tinham feitas na Ribeira e no Rossio (...) E por já nas ruas não acharem cristãos novos, foram cometer com vaivéns e escadas as casas em que viviam, ou onde sabiam que estavam, e tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres, e filhas, os lançavam de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até nos meninos, e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços, e esborrachando-os de arremesso nas paredes. Nas quais cruezas não se esqueceram de meter a saque as casas, e roubar todo o ouro, prata, e enxovais que nelas acharam».
Com origem neste site, de consulta obrigatória por estes dias, desenvolveu-se a ideia de resgatar a memória, com a presença e a iluminação de velas, hoje, no Rossio e no Largo de São Domingos.
Outras notícias: aqui, aqui e aqui.
Seria bom que nós, cristãos do sec. XXI, fizéssemos uma pausa na nossa alegria Pascal para recordarmos e exprimirmos publicamente o sacrifício que infligimos aos nossos irmãos mais velhos.
E não nos iludamos sacudindo a nossa culpa enquanto povo (de Deus) habituado a alijar responsabilidades... a culpa não foi dos padres nem, neste caso, da Inquisição (Portuguesa), que ainda não se dedicava a acender fogueiras para queimar hereges (faltavam uns anos). A chacina terá sido eminentemente popular - O mesmo povo que coroou D. João I, que restaurou a independência e que fez do 25 de Abril a festa da Liberdade foi capaz destes actos ignominiosos, que bradam aos céus.
Miserere!
Curiosamente, hoje é um dos últimos dias de Pessach - a Páscoa dos Judeus.

1 Comments:

At 19 abril, 2006 19:46, Anonymous Anónimo said...

Espectacular, obrigado Pedro
Tobecas

 

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