sexta-feira, novembro 03, 2006

Também somos fazedores da pobreza?

«Queridas amigas e amigos,
Há poucos dias fomos surpreendidos pela novidade maravilhosa da atribuição do prémio Nobel da Paz ao Prof. Muhammad Yunus, o criador do microcrédito dos tempos modernos e fundador do Grameen Bank.
Alguém mais distraído poderia interrogar-se: "Mas o que é que o prémio Nobel da Paz tem a ver com um banqueiro?".
De facto, estamos habituados a olhar para os Prémios Nobel da Paz como individualidades que contribuíram definitivamente para que a paz, em algum tempo e em algum lugar, tivesse sido alcançada, pelo papel desempenhado pelo laureado ao interpor-se entre os beligerantes.
Este ano, o prémio foi atribuído a alguém que, porventura, nunca se encontrou confrontado com o teatro de guerra.
A alguém que, porém interveio, decisivamente, no terreno onde se desenvolvem os germens fundamentais da violência e das guerras, aplicando, com eficácia, uma das vacinas que permitem erradicar a sua razão de ser: a luta contra a pobreza. E isto através de ideias simples e meios pouco dispendiosos.
Yunus lembra-nos, permanentemente, que a pobreza não tem que viver definitivamente entre nós.
Ela é uma criação artificial do nosso modo de estar e da nossa forma de organização em sociedade.
O Comité Norueguês para a atribuição do Nobel da Paz, no seu comunicado de imprensa, anunciando a atribuição do prémio sublinha: Qualquer pessoa no mundo tem a capacidade e o direito a viver uma vida decente.
Em diferentes culturas e civilizações, Yunus e o Grammen Bank mostraram que, mesmo os mais pobres dos pobres, podem trabalhar para realizar o seu próprio desenvolvimento.
Como é que esta mensagem interpela cada um de nós, nos nossos comportamentos e modos de estar, enquanto obstáculos ao desenvolvimento e à afirmação daquela capacidade?
O próprio Yunus sublinha a ideia de que a pobreza não é algo de natural na nossa presença humana sobre a terra. Ela é, antes, uma criação artificial das nossas formas de organização da vida em sociedade e dos nossos comportamentos.
Estaremos, em Portugal, a construir edifícios de vida comum que contribuam para que, nas nossas casas, nas nossas escolas, nos nossos locais de trabalho, nas nossas ruas, nas nossas formas de manifestação colectivas, se elimine a pobreza e se viva a paz?
Pensamos que a pobreza é um problema criado pelos pobres, ou temos consciência de que é o nosso modo de organização social e económica que produz a pobreza?
No quadro daquilo que pensamos, que experiências transportamos no campo da superação da pobreza, da inclusão de pessoas e da construção da paz?»
Jorge Wemans e Manuel Brandão Alves
Outubro / Novembro de 2006
(in: texto para o Encontro de Novembro do Movimento Católico de Profissionais)