(ainda) O Culto dos mortos
«Enchem-se de gente os cemitérios num deprimente cortejo de vaidades.
O culto dos mortos é a outra face de quem passa os dias a atropelar os vivos.
Matamos os próximos com egoísmos e ambições sem limite.
E depois erguemos-lhes túmulos de luxo enfeitados com flores importadas.
Os mortos não existem em lado nenhum.
Só há pessoas ainda a viver na História e pessoas a viver já para lá da História.
É estupidez crassa converter em jazigos de família as campas onde se decompõem os
restos das pessoas que partiram;
e deixar multidões a viver sem tecto e sem afectos.
Morrer é simplesmente nascer para novas dimensões; como o nascer já foi morrer
para as acanhadas dimensões do útero materno.
Na vida nada se perde; tudo se transforma.
Felizes as pessoas que vivem abertas a esta boa notícia de Deus
e fazem das suas vidas um dom para os demais.
No cristianismo de Jesus não há culto dos mortos.
Os relatos fundadores aí estão a gritar desde o princípio: Porque procurais
nos túmulos aquelas aqueles que vivem em dimensões outras que nem os olhos viram
nem os ouvidos ouviram? Quem agir sem ter em conta este grito continua a ser pagão.
Igrejas com culto dos mortos são agências funerárias disfarçadas onde tudo gira em
redor dos mortos. Tirem às paróquias o culto dos mortos e pouco restará.
A originalidade da Igreja frente ao paganismo é aceitar perder a vida pela vida.
E assim testemunhar que só há ressuscitados no ressuscitado Jesus!
Quem quiser fazer memória dos familiares e amigos que já passaram deste limitado
útero que é o planeta ao infinito Oceano de paz e de liberdade que é o Deus Vivo fonte
de todo o ser-viver não tem que ir a correr meter-se num cemitério ou numa igreja.
Convide e sente os pobres à sua mesa.
Mesas partilhadas com os pobres onde cada qual é tratado como irmão e como
amigo têm tudo de Eucaristia e de vida celebrada. Revelam e anunciam que outro
mundo é possível e querem-no realidade todos os dias e em toda a terra. São por
isso mesas fecundamente conspirativas.
Experimentem e verão como no decorrer duma refeição assim a vida de cada qual
conhecerá surpreendente transformação.
No final sentimo-nos bem mais humanos do que no começo. E com vontade de acolher e
de abraçar até os inimigos. Sinal claro de que vivem os que tínhamos por mortos.»
Padre Mário (Padre da Lixa) - 01.Nov.2006
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